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quarta-feira, 21 de março de 2012

Parabenizamos todas Pessoas com Síndrome de Down pelo seu dia .


NÃO SOMOS ANORMAIS, SOMOS APENAS CIDA-DOWNS....

Mais uma vez no mês de março tomamos a Síndrome de Down para reflexão e comemoração. Em 21 de março deste ano ela também estará na ONU. Mais uma conquista, uma maior visibilização e mais reconhecimento desta diferença de ser e estar com uma deficiência.

Entretanto, ainda temos alguns passos na direção de sua indispensável e inegável condição cidadã. Em 2004 difundi a Declaração de Montreal sobre os Direitos Humanos de pessoas com deficiência Intelectual. Lá já se revelava uma constatação: “PREOCUPADOS por que a liberdade das pessoas com deficiências intelectuais para tomada de suas próprias decisões é frequentemente ignorada, negada e sujeita a abusos”.

Passaram-se alguns anos e ainda precisamos indagar sobre como é ser e estar com esta condição. Quando é que a sua igualdade de direitos passa pelo reconhecimento de suas diferenças? Respondo que ainda temos muitos preconceitos que atravessam um corpo, uma vida e uma pessoa com Síndrome de Down. Ainda muitos são vistos como a-normais.

Ainda os temos como a ‘’cavalgada de mongóis’’, na cena memorável do filme o 8º Dia? A sua associação com Genghis Khan povoa alguns imaginários ainda... Seriam eles os novos ‘bons selvagens’, agora oriundos da Mongólia, bem longe de todos os nossos Ocidentes?
As polêmicas geradas a partir da reivindicação de pais que movem ações contra hospitais, laboratórios de pré-natal e médicos. Eles se sentiram com seus direitos feridos ao não terem o diagnóstico prévio e preventivo da síndrome (vejam o texto A Pagar-se uma Pessoa com Síndrome de Down.

É o crescimento de demandas judiciais sobre “crianças indevidas” que as triagens pré-natais, os exames genéticos e a escolha dos pais de recém-nascidos ou não com a Síndrome ou quadros genéticos. Daí decorre as buscas judicias de reparação.

Podemos, então, interrogar, mais uma vez, o que buscamos, tanto os pais como a sociedade, é a concepção geneticamente perfeita? Não pensamos, bem lá no íntimo, como construir uma ‘’normalidade’’ para toda e qualquer gestação?

Podemos tecer julgamentos, éticos ou bioéticos, sobre os pais de Kalanit, 04 anos, cujos pais Ariel e Deborah Levy, demandam, no Oregon (USA), uma ação de 3 milhões de dólares por um possível ‘’erro’’ de diagnóstico preventivo da Síndrome de Down de sua filha?

Sim, podemos e devemos refletir sobre os pilares que sustentam sua reinvindicação. O primeiro deles é de difícil demolição: o conceito de anormalidade.

A Síndrome de Down por sua condição genética, ligada ao Cromossomo 21, é uma das principais condições humanas que nos leva em direção ao conceito de corpos diferenciados. Houve um tempo, pelo visto não tão remoto, que a igualdade do homem consigo mesmo, a identidade de si, implicava na igualdade com seu corpo. Buscam uma perfeição saudável dos corpos, agora aperfeiçoada pelas biotecnologias de prevenção no período pré-natal.

Mas o que fazemos diante de um corpo que tem ‘’logo de cara’’ uma série de diferenças anatômicas, fenotípicas? Como olhamos, classificamos e discriminamos, principalmente, no reino das perfeições, uma ‘’anormalidade intelectual’? Os sujeitos com a Síndrome tem uma diferença intelectual que muitos ainda chamam de ‘’retardo mental’’. Essa seria talvez mais forte que quaisquer outras diferenças visíveis.

Afirmo aí que o fundamento, ou melhor, o fundamentalismo que moveu os pais, tanto na Espanha como nos EUA, podendo estar em qualquer país do mundo, é movido pelos preconceitos e pelo racismo. Somos todos racistas ou preconceituosos?

A base da busca de perfeição tem gênese nos conceitos biomédicos de normalidade, até o último fio de cabelo. O mundo aspira, conspira em silêncios e emudecimentos, pela eugenia, com tempos cada dia mais direcionados a parecermos ‘’normais’’.

A obra de Michel Foucault, os Anormais, apresenta as gêneses sociais e políticas que construíram o conceito de anormalidade. No final do Século XIX, depois do nascimento das biopolíticas, Foucault apresenta três figuras que representam o “anormal” em momentos históricos distintos: o monstro humano, o indivíduo a corrigir e o onanista.

Quando se construiu o conceito de deficiência mental para os ‘’portadores’’ desta síndrome a Medicina os conectou com outro conceito: o de uma ‘’aberração’’ cromossômica. Esta associação favoreceu a possível inclusão dos seus portadores no campo das monstruosidades humanas. Mais tarde, institucionalizados, também passaram pelo processo de correção, tanto reabilitadora como educacional especial. Finalmente, para coroar o processo, tornam-se portadores de uma ‘’sexualidade’’ ora exacerbada ou então desviante...

O seu diagnóstico, hoje já modificado, desde o ‘’mongolismo’’, passando pelo ‘’retardamento mental’’ até a concepção de sindrômicos, tornou-se portador de um estigma: a anormalidade.

A construção da anormalidade é uma das formas de confirmação de nossos racismos trans-históricos. Desde os tempos bíblicos, como no demonstrou Castoriadis, os racismos se fundamentam na distinção entre os que estão dentro e os que estão lançados para o lado de fora de alguns ‘’muros invisíveis’’ dos preconceitos.

Há ainda a questão bioética que se suscita com a ideia e as teorias sobre o abortamento de crianças diagnosticadas, no período pré-natal, com a Síndrome de Down. Esta prática remonta aos experimentos nazifascistas que guardavam as cabeças destas crianças para as suas comprovações de degeneração racial. Estudemos as leis racistas do período nazista na Alemanha e encontraremos a segregação com posterior eliminação dos que tinha estes diagnósticos da anormalidade, principalmente as de origem genética.

Mas como eliminar de um processo coletivo e transcultural a presença, mesmo que subjacente, desses estereótipos, estigmas e preconceitos?

Procuremos, hoje, então as 21 formas diferenciadas de reconhecimento das diferenças e singularidades de um sujeito que vive com Síndrome de Down. A primeira seria o reconhecer seu direito inalienável e humano à Educação. Quando vivenciamos, atualmente, o seu processo de inclusão social e escolar cada dia mais nos vemos diante de suas demolições paradigmáticas. Estão, como em uma prova com barreiras, cada dia mais ultrapassando mais uma.

Assim como um atleta negro provou a Hitler que não houve, não havia e nem existirá um povo eleito e uma raça superior...

Já temos mais que provas, para além dos Enades ou Enems, que até a Universidade não é mais uma barreira intransponível.

Os jovens Alysson, Kallil e Gabriel, nomes mais recentes, comprovam o que outros CIDA-DOWNS, já realizaram. Eles entraram, com louvor e dedicação, nas salas de aula das universidades brasileiras, em todas as latitudes e longitudes. Caminham no direito a uma nova gramática civil: não são mais os únicos ‘’anormais’. São e serão apenas cidadãos e cidadãs. São iguais como lhes afirma o Decreto 6949/2009 (a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência), e que se cumpram seus mais de 21 direitos HUMANOS...

Mas não bastam essas ‘’raras’’ presenças no meio universitário. Lá também devemos continuar promovendo, do ensino fundamental até as pós-graduações, a ruptura de um paradigma biomédico: a reificação das nossas deformidades humanas, nossas imperfeições genéticas, nossos pequenos defeitos. Temos de ir para além dos narcisismos das pequenas diferenças, são elas que nos tornam apenas HUMANOS. Eis uma tarefa imprescindível para a Educação inclusiva...

Somos, portanto, demasiadamente humanos, mas ainda distanciados de um re-conhecimento do Outro e da sua indispensável diferença e diversidade. Por isso se nos colocássemos dentro de uma cidade ou mundo dos que tratamos e excluímos talvez pudéssemos ‘’sentir na pele’’, esse verdadeiro Eu, o quanto “uma perturbação introduzida na nossa configuração (real e simbólica) do corpo é uma perturbação introduzida na coerência (ético-política) do mundo...”.

Podemos, enfim, dizer que somos todos Cidadãos ou Cidadãs ou apenas anomalias ambulantes que precisam de correção, esquadrinhamento, classificação e tratamento eugênico e higienizante, conforme a biopolítica para as Vidas Nuas?

No Século XXI os 21 também se declaram com direito às suas a-normalidades..., mesmo que para isso tenham de nos convidar para outra sessão de cinema, pois outros City Down virão ou uma próxima formatura de jovens Cida-downs, nas muitas universidades do Brasil e do Mundo.

infoativodefnet.blogspot.com.br.


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